Posso Deserdar Alguém? Em Quais Casos Isso É Permitido
- Patrícia de Castro

- há 4 dias
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Porque até a novela precisa seguir o Código Civil.

A pergunta que ninguém quer fazer, mas muitos precisam
“Posso Deserdar Alguém? Em Quais Casos Isso É Permitido?” — essa é uma pergunta que costuma surgir em momentos delicados, quando a convivência familiar já está fragilizada. Não é um tema fácil, nem agradável. Geralmente aparece depois de anos de conflitos, abandono afetivo, agressões verbais ou até violência mais grave. São histórias que machucam, que deixam marcas e que fazem muitas pessoas questionarem se é justo deixar a herança para alguém que não cumpriu seus deveres mínimos de cuidado e respeito.
Mas a verdade é direta: sim, a deserdação existe na lei brasileira — porém não é simples, nem automática. Ela exige motivos específicos, provas e um procedimento formal. Não basta a vontade do testador; é preciso que o motivo esteja previsto na legislação e seja confirmado judicialmente.
Nesta introdução, o objetivo é trazer clareza: este artigo vai explicar quando a deserdação é possível, quais são os limites legais e por que a lei protege certos herdeiros, mesmo em situações de conflito intenso. Ou seja, vamos falar de justiça, responsabilidade e, sobretudo, da realidade emocional que existe por trás de cada pedido de exclusão de herdeiro.
O que é deserdação?
A deserdação é o ato pelo qual alguém, por meio de um testamento, declara que determinado herdeiro — normalmente um filho, neto, pai ou mãe — não receberá sua parte da herança. Mas há um ponto essencial: isso só é válido quando há um motivo previsto na lei, como agressões graves, abandono ou outros comportamentos que rompem completamente o dever de cuidado familiar.
Para deixar ainda mais claro:
Deserdação É a retirada da herança por decisão do falecido, registrada em testamento, baseada em um motivo legal que deve ser comprovado judicialmente depois da morte.
Exclusão por indignidade Aqui, a exclusão é feita pelo juiz, a pedido de outro herdeiro, quando alguém praticou atos gravíssimos contra o falecido — por exemplo, violência, tentativa de homicídio ou fraude contra a herança. Não depende de testamento.
Testamento comum É apenas a distribuição de bens conforme a vontade da pessoa. Diferente da deserdação, ele não pode tirar a parte reservada aos herdeiros necessários (filhos, pais e cônjuge), salvo se houver uma causa legal que justifique a deserdação.
E por que a lei é tão rigorosa? Porque ela busca evitar injustiças. Sem regras claras, qualquer desavença familiar poderia virar motivo para excluir um filho ou pai da herança. Por isso, o Código Civil só permite a deserdação quando há fatos graves, comprováveis e que realmente representem uma quebra profunda do vínculo familiar.
Em resumo: deserdar é possível, mas só quando existe causa legal, provas e um processo correto. Isso protege o patrimônio — e também a dignidade das relações familiares
Quem pode ser deserdado no Brasil?
Antes de entender quem pode ser deserdado, é importante saber quem são os chamados “herdeiros necessários”. A lei brasileira protege de forma especial os descendentes (filhos, netos), ascendentes (pais, avós) e o cônjuge. Eles têm direito garantido a uma parte da herança, chamada de legítima. Por isso, não é possível simplesmente retirá-los da sucessão sem uma justificativa prevista em lei.
A deserdação só pode ser aplicada a esses herdeiros necessários, e sempre por meio de testamento que indique, de forma clara, o motivo legal que justifica essa decisão. Ou seja, não basta querer deserdar; é preciso que o comportamento do herdeiro se enquadre nas hipóteses previstas no Código Civil.
Já os parentes colaterais, como irmãos, sobrinhos e tios, não são herdeiros necessários. Eles só herdam quando não existe cônjuge, descendente ou ascendente. Por isso, eles não precisam ser deserdados: podem simplesmente deixar de ser contemplados no testamento. No entanto, esses parentes podem ser excluídos da herança por indignidade caso pratiquem atos graves, como violência contra o falecido, crimes ou situações que violem de maneira intensa os deveres de respeito e solidariedade familiar.
Assim, a regra geral é: a deserdação atinge apenas os herdeiros necessários; já a exclusão por indignidade pode alcançar qualquer herdeiro, inclusive os colaterais, desde que haja um motivo grave previsto na lei.
Em quais casos a lei permite a deserdação?
A deserdação só é válida quando existe um motivo previsto no Código Civil. Isso significa que não basta existir mágoa, distância emocional ou desentendimentos cotidianos. A lei exige que o herdeiro tenha praticado atos realmente graves contra o autor da herança. A seguir, estão os principais motivos legais, acompanhados de exemplos práticos que ajudam a entender como eles se aplicam no dia a dia.
Agressão física: ocorre quando o herdeiro levanta a mão contra o ascendente ou descendente, causando lesões ou ameaçando integridade física. Exemplo: um filho que agride o pai durante uma discussão, gerando boletim de ocorrência e laudo médico.
Injúria grave: caracteriza-se por ofensas intensas, humilhações públicas ou palavras que comprometem a dignidade do testador. Exemplo: um herdeiro que constantemente expõe o autor da herança a situações constrangedoras na frente de terceiros.
Abandono: acontece quando o herdeiro deixa o testador em situação de vulnerabilidade, sem prestar cuidados básicos, mesmo tendo a obrigação moral e familiar de fazê-lo. Exemplo: pais idosos deixados sozinhos, sem assistência, enquanto filhos ignoram pedidos de ajuda.
Ofensa à honra: envolve calúnias, difamações e acusações falsas que atingem a reputação do testador. Exemplo: um herdeiro que espalha falsos boatos sobre o autor da herança para prejudicá-lo socialmente ou profissionalmente.
Atentado à vida: é uma das hipóteses mais graves. Abrange tentativa de homicídio, envenenamento ou qualquer ato que demonstre intenção de matar o testador. Exemplo: um descendente que tenta provocar um acidente para acelerar a herança.
Relação com indutores de crime contra o testador: ocorre quando o herdeiro se associa, incentiva ou colabora com pessoas que tenham interesse em prejudicar o autor da herança. Exemplo: um herdeiro que participa, facilita ou apoia terceiros que tentam cometer fraude, golpe ou violência contra o testador.
Essas hipóteses frequentemente aparecem em decisões judiciais, especialmente em casos envolvendo violência doméstica, abandono de idosos e conflitos familiares extremos. Os tribunais têm reforçado que a deserdação deve ser sempre comprovada, com documentos, testemunhas ou registros que demonstrem a gravidade dos fatos.
Assim, a lei é clara: só é possível deserdar alguém quando existe um motivo legal, sério e comprovado. Isso garante que a deserdação não seja utilizada como forma de vingança ou punição emocional, preservando a justiça e o equilíbrio familiar.

Como funciona o processo de deserdação na prática?
A deserdação não acontece de forma automática. Mesmo quando há um motivo legal, o procedimento exige cuidados formais e só produz efeitos depois da morte do testador. Por isso, entender o passo a passo é fundamental para evitar frustrações e surpresas desagradáveis.
A deserdação precisa ser declarada em testamento. O testador deve registrar expressamente a intenção de excluir o herdeiro necessário e indicar o motivo previsto em lei. Não basta apenas dizer que não quer deixar bens a determinada pessoa; é indispensável apontar a causa jurídica que fundamenta essa decisão.
A afirmação feita no testamento deve ser acompanhada de provas. Quanto mais claros e sólidos forem os elementos que demonstram a agressão, abandono, ofensa ou outro motivo legal, maior a chance de a deserdação ser confirmada no futuro. Isso inclui registros policiais, mensagens, fotos, laudos médicos, documentos e testemunhas.
Após a morte do testador, os demais herdeiros ou interessados precisam levar a deserdação ao Judiciário. O juiz analisará o caso, verificará as provas e ouvirá, se necessário, testemunhas e o próprio herdeiro acusado. É nesse momento que a alegação do testamento se transforma em um processo formal, no qual se discute se a causa de deserdação realmente existiu.
O procedimento pode levar meses ou anos, dependendo da complexidade dos fatos e da disputa familiar. Também envolve custos, como honorários advocatícios, taxas processuais e eventuais despesas para produção de provas. Há ainda o risco de a deserdação ser anulada se o juiz entender que não há provas suficientes, o que pode resultar no restabelecimento da participação do herdeiro na herança.
Por isso, quem pretende deserdar alguém precisa agir com cuidado, documentação consistente e orientação jurídica. A deserdação é possível, mas exige preparo, seriedade e uma base sólida para se sustentar no momento em que for analisada pela Justiça
Diferença entre deserdação e indignidade
Embora muitas pessoas confundam os dois conceitos, deserdação e indignidade são institutos diferentes, cada um com regras e consequências próprias. Saber distingui-los é essencial para entender quando um herdeiro pode ser excluído da sucessão.
A deserdação depende exclusivamente da vontade do testador. É um ato voluntário: o autor da herança registra em testamento que deseja excluir determinado herdeiro necessário e indica o motivo previsto em lei. Sem testamento válido e sem a declaração expressa da causa, não existe deserdação possível. Além disso, as provas reunidas pelo testador serão avaliadas judicialmente somente após a sua morte.
A indignidade, por sua vez, não depende de testamento. Trata-se da exclusão judicial do herdeiro por ter praticado atos gravíssimos contra o falecido, como homicídio, tentativa de homicídio, calúnia grave, violência extrema, ou atos que atentem contra a liberdade ou honra do autor da herança. Aqui, não é o testador que exclui; é a própria família (ou outro interessado na sucessão) que ingressa com a ação após a morte, pedindo que o juiz afaste o herdeiro por causa de sua conduta.
Na deserdação, quem toma a iniciativa é o próprio testador, ainda em vida, com base em causas previstas na lei e registradas em testamento. Na indignidade, a iniciativa vem dos herdeiros ou interessados, que precisam ingressar com a ação no prazo legal após o falecimento.
A decisão judicial também difere em cada caso. Na deserdação, o juiz analisa se o motivo declarado no testamento realmente aconteceu e se as provas são suficientes. Já na indignidade, o magistrado avalia diretamente a conduta do herdeiro acusado, podendo afastá-lo da herança mesmo sem qualquer manifestação prévia do falecido.
Em resumo, a deserdação é um ato preventivo, planejado e formalizado pelo testador. A indignidade é uma punição judicial, aplicada quando a conduta do herdeiro ultrapassa limites éticos e legais. Conhecer essa diferença ajuda a evitar confusão e a compreender melhor como a lei protege a memória e a vontade do falecido, preservando a justiça na distribuição dos bens.

Exceções, dúvidas comuns e mitos
A deserdação é um tema que costuma gerar muitas dúvidas, inseguranças e até alguns mitos que se repetem ao longo dos anos. Nem tudo que as pessoas acreditam corresponde ao que a lei realmente permite. A seguir, esclarecemos as perguntas mais comuns.
Muitas pessoas perguntam se é possível deserdar um filho por “ingratidão”. A resposta é não. A lei brasileira não autoriza a deserdação com base apenas em mágoa, frustração ou afastamento emocional. A ingratidão, por si só, não é motivo legal.
Para que a deserdação seja válida, é necessário que o herdeiro tenha cometido uma das condutas graves previstas no Código Civil, como agressão, abandono, injúria grave ou atentado contra a vida.
Outra dúvida recorrente é sobre deixar tudo para um filho e nada para outro. Isso também não é possível quando se trata de herdeiros necessários. A parte legítima sempre precisa ser respeitada. O testador pode dispor livremente apenas de metade do patrimônio; a outra metade pertence por lei aos herdeiros necessários. Portanto, mesmo que haja preferência afetiva, não é permitido excluir totalmente um filho sem motivo legal.
Também surge a pergunta sobre o perdão. Se o testador perdoar o herdeiro que cometeu a falta, a deserdação pode perder sua razão de ser. Porém, esse perdão precisa estar claro, seja de forma expressa, seja por atos que demonstrem que o motivo deixou de existir. O importante é que exista coerência entre a conduta do testador e o conteúdo de seu testamento.
E quanto aos filhos que não falam com o pai ou a mãe há anos? O simples afastamento, mesmo que doloroso, não constitui causa de deserdação. O silêncio, a frieza ou a falta de contato não se enquadram automaticamente como abandono no sentido jurídico. Para caracterizar abandono como motivo de deserdação, é preciso demonstrar omissão grave e injustificada em situações de necessidade real de cuidado, amparo ou assistência.
Em todos esses cenários, a orientação especializada é essencial para evitar erros, expectativas irreais e conflitos familiares desnecessários. A deserdação é um instrumento excepcional e, por isso, deve ser compreendida com clareza e responsabilidade.
Alternativas à deserdação
A deserdação é um instrumento jurídico extremo, e muitas vezes existem maneiras mais seguras e estratégicas de proteger o patrimônio e garantir que ele seja distribuído conforme a vontade do titular, sem gerar conflitos desnecessários entre herdeiros.
Uma alternativa é a doação em vida com reserva de usufruto. Nesse modelo, o doador transfere a propriedade do bem para outra pessoa, mas mantém o direito de usufruir dele enquanto estiver vivo. É uma forma de organizar a sucessão antecipadamente, assegurando que determinados bens fiquem com pessoas escolhidas pelo doador, ao mesmo tempo em que ele mantém o controle e o usufruto sobre esses bens.
O planejamento sucessório também oferece soluções eficazes. A criação de uma holding familiar, por exemplo, permite centralizar a administração de bens e empresas, definir regras claras de gestão e antecipar a sucessão. Testamentos e cláusulas restritivas podem detalhar de forma segura quem recebe o quê, evitando disputas judiciais e protegendo o patrimônio. Cada instrumento pode ser moldado de acordo com as necessidades específicas da família, garantindo que a vontade do titular seja respeitada sem confrontos diretos.
Essas estratégias não só preservam o patrimônio, mas também promovem harmonia familiar, evitando que disputas sobre herança se transformem em dores de cabeça duradouras. Assim, é possível cuidar do futuro dos herdeiros e da própria paz de espírito do titular, mostrando que, muitas vezes, a prevenção é o caminho mais inteligente e humano.
A herança fala sobre justiça, não sobre vingança
A deserdação é um instrumento extremo, que só deve ser considerado em situações graves e legalmente fundamentadas.
Não se trata de um ato de vingança, mas de uma medida prevista pela lei para proteger a vontade do testador diante de condutas que atentem contra sua integridade ou dignidade.
No entanto, na grande maioria dos casos, o diálogo, a transparência e o planejamento sucessório podem resolver ou prevenir conflitos antes que se tornem irreversíveis. Testamentos bem elaborados, doações em vida, cláusulas específicas e outros mecanismos jurídicos permitem organizar a sucessão de forma justa e harmônica, garantindo que a vontade do titular seja respeitada sem abrir espaço para disputas desnecessárias.
Proteger o patrimônio e preservar os relacionamentos familiares exige cuidado, planejamento e orientação especializada. Consultar um advogado de confiança ajuda a tomar decisões conscientes, evitando surpresas e garantindo que a herança seja, acima de tudo, um ato de justiça e cuidado com quem permanece.
História real que explica tudo isso na prática
Quer entender como a lei funciona na vida real, quando o assunto é “punir” filhos por abandono ou ingratidão sem precisar de um processo formal de deserdação?
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É um exemplo real de como, mesmo sem deserdação judicial, a lei permite proteger quem cuidou de você — e como decisões mal explicadas podem virar briga familiar por anos.
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